Artigo
O trigo e o joio
- O que há de bom e de ruim na coleção
Veja, 2000-05-28
Jorge Rosenberg/Zero |
Ashkenazy: boas gravações do ex-titular da orquestra |
Por não ter vínculo empregatício, grande parte dos músicos da Royal Philharmonic recebe por sessão de gravação, ensaio ou concerto. Quem não é bom não é recontratado. E assim se mantém o alto nível. Em Londres, a oferta de bons músicos é tal que daria para criar diversas sinfônicas de primeira linha. Não foi à toa que, nos anos 80, a orquestra se meteu numa enrascada cômica, quando assinou contratos para realizar dois concertos, em dois países diferentes, no mesmo dia e horário. Ao saber do fato, um dos organizadores negou-se a pagar a orquestra onipresente, alegando ter comprado a "falsa" Royal Philharmonic.
Ao contrário do que disse o compositor austríaco Gustav Mahler – "não existem más orquestras, somente maus maestros" – , o som de uma orquestra depende sobretudo da qualidade técnica de seus elementos. Essa é a razão pela qual um bom regente jamais obterá grande resultado de um conjunto de quinta categoria. Curiosamente, a recíproca não é verdadeira. Um maestro medíocre não tem sequer a capacidade de fazer com que uma excelente orquestra soe desafinada. Normalmente, ele é ignorado, como se fosse invisível. Os músicos olham para o coitado somente nos momentos críticos, como o início e o fim da performance.
"Cadê a orquestra?" – Ainda que não sejam formidáveis, os CDs da Royal Philharmonic Collection não chegam a comprometer. Aqueles que trazem os condecorados sir Charles McKerras e lord Yehudi Menuhin – interpretando Richard Strauss e Tchaikovsky, respectivamente – são certamente os melhores da coleção. Considerando-se a qualidade da orquestra, o preço de 15 reais por CD é uma pechincha. Os encartes, no entanto, destoam de seus conteúdos. O amadorismo faz com que o regente Vladimir Ashkenazy, afastado há anos da orquestra, seja apresentado ao público como seu atual diretor, destronando assim o verdadeiro chefão, o italiano Daniele Gatti. Mais divertido que rebatizar o maestro Menuhin de Mehunim é descobrir que, no disco com obras do compositor Erik Satie, se ouve apenas o som de um piano. "Cadê a orquestra?", perguntará o incrédulo ouvinte, ao ler, no encarte, a biografia do maestro Stefan Sanderling. "Estou ficando surdo ou se trata de um fantasma", concluirá. E, com grande alívio, finalmente descobrirá que o disco, parte integrante da Royal Philharmonic Collection, é para piano solo. Apesar de o currículo da orquestra ser apresentado em português, o dos artistas e as notas sobre o programa aparecem em inglês. Trapalhadas à parte, é inadmissível a omissão dos nomes dos intérpretes nos CDs propriamente ditos. Sem artistas, companhias de gravação não existiriam. Então, não é justo que seus lucros sejam obtidos à custa de quem elas desprezam. Se não há, deveria haver uma lei que regulamentasse a questão.
E se o comprador perder a caixinha de um CD não saberá mais quem é o intérprete.