Cartas de Londres, 2000-05-09
Belmira querida,
Espero que o INSS esteja pagando sua aposentadoria em dia e que o trauma do último assalto já seja coisa do passado. Aqui em Londres o tempo está glorioso, ao contrário do que reza o mito. Apesar disso, continuamos falando dele. E o piano, como vai? Você continua fazendo suas escalas matinais? Na última carta que recebi, você lamenta não ter dinheiro para realizar seu sonho de consumo – a operação plástica. Belmira, sei que por aí é moda, eticétera. Se o Pitanguy morasse aqui, certamente morreria de fome, pois a maioria das inglesas acha que operação plástica é só para quem sofreu queimaduras de terceiro grau. Se você quase não sai de casa, não leciona nem dá mais concertos, quase todas as suas amigas já morreram, só acompanha o que acontece no mundo pela TV, por que se torturar? O espelho? Conheço uma senhora americana, que decidiu fazer um lifting depois de ver um anúncio de cosméticos, que dizia: “Você já vê sua mãe quatro vezes por ano. Por que vê-la todos os dias, ao se olhar no espelho????. E a boba caiu na armadilha. A solução é pensar como o Austregésilo de Athayde, que disse serem as rugas as boas marcas do passado, que o tempo deixou para que não fossem esquecidas. Resolvido o problema?
Para levantar o seu astral, eis uma historinha bonitinha. Dois políticos, velhas raposas, conversavam. “Como vai sua mulher????, disse o primeiro. “Comparada com o quê????, respondeu, perguntando, o segundo. Belmira, tudo é relativo.
Poucos sabem que somente em 1967 o homossexualismo ativo deixou de ser considerado um ato criminoso na Inglaterra. A piada do momento é que, em breve, a prática se tornará obrigatória. Isso por causa da atitude leniente da polícia de Londres durante a recente baderna organizada por um bando de anarco-anti-capitalistas. Como você deve ter assistido no Jornal Nacional, os caras quebraram lojas, atearam fogo em carros, o diabo. Enquanto isso, no Brasil, nossos pobres índios faziam uma passeata para pleitear seus legítimos direitos. Levaram bordoadas da polícia baiana durante uma festa que também era deles. Como dizem os americanos, first come, first served. Em outras palavras, quem chega primeiro pode escolher o melhor lugar. Aos índios não foi dado nem o direito de ficar, quanto mais o de escolher. Reclamar, só ao Papa. Já que ninguém deu pelota para eles, o jeito será contar as mazelas em Paris. Acabo de saber que, nessa semana, o cacique Raoni será recebido pelo Chirac e, por isso, a propaganda negativa para o nosso país varonil será de lascar. Como diria o Elio Gaspari, o que a turma do andar de cima não percebeu é que já foi o tempo em que índio se contentava com apito. Acabo de ter uma idéia. O intercâmbio entre as polícias brasileira e inglesa poderia ser uma solução. O Brasil mandaria para Londres uma polícia de machos, como a baiana, e, em contrapartida, os educados bobbies iriam para o Patropi. Como leões de chácara de festas, onde índios, ou qualquer outra minoria, fossem considerados uma ameaça à segurança nacional. Vou enviar a sugestão para o Itamarati. O que você acha?
Tenho lido os jornais brasileiros e fico impressionado com a quantidade de denúncias sobre corrupção. Até o nosso presidente declarou-se enjoado com a situação. Ou enojado – não lembro bem. Imagine que na semana passada, o comitê internacional de cricket – o esporte nacional britânico –, teve uma idéia maravilhosa para acabar com a corrupção em seus quadros. Decidiram criar um documento, pasme, chamado de “Declaração de Honestidade???. O objetivo é simples. Quem assiná-lo não poderá ser desonesto. E tem efeito retroativo! Genial, não? Tem gente que é contra por achar que o documento fere o direito do livre-arbítrio. Outros acham que a tentativa é ingênua. Caso isso dê certo, que tal propor que o Congresso Nacional em Brasilia faça o mesmo? Não tenho dúvida de que todos assinariam. Legal, né?
Belmira, você sabia que o novo prefeito de Londres, Ken Livingstone, vai para o trabalho de metrô? Ele conversa com as pessoas, ouve reclamações, etc. Isso é que é democracia. O resto é o que chamamos aqui de “mímica da eficiência???.
E o Pitta, capota?
Beijo do Arnaldo