- Sai um CD com gravações históricas de Jascha Heifetz, o maior violinista do século
Veja, 1998-10-25
Obsessão pela perfeição foi a principal característica dos 61 anos de carreira do maior violinista do século, o lituano naturalizado americano, Jascha Heifetz (1901-1987). A RCA lança no Brasil um antológico Cd do artista, que executa os concertos para violino e orquestra de Beethoven e Mendelssohn, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Boston regida pelo maestro Charles Munch.
"Jamais vi, em 50 anos de magistério, tamanha precocidade", declarou em 1912 seu professor Leopold Auer, que foi aluno de Joseph Joachim, grande violinista húngaro e a quem Brahms dedicou o concerto para violino. Aos 6 anos, Heifetz já tocava o concerto de Mendelssohn e aos 16 alcançou a fama, após um deslumbrante recital no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Foi no intervalo desse concerto que aconteceu o famoso diálogo entre seu colega e rival, o russo Micha Elman, e um pianista da época. "Que calor!", comentou Elman, enciumado. "Curioso, não para pianistas!", disparou o frio interlocutor.
Em 1925, Heifetz adquiriu a nacionalidade americana e radicou-se em Los Angeles. A partir de 1962, lecionou na University of Southern California. Como a inveja é um dos preços do sucesso, logo surgiram boatos tentando denegri-lo, como, por exemplo, o de que o violinista teria um "orelhão" no hall de sua mansão, a fim de impedir que seu telefone fosse usado por convidados. O pianista Arthur Rubinstein, que não desfrutava de grande prestígio entre os colegas - Moriz Rosenthal, aluno de Liszt, chamou-o de "palhaço" - não gostava de Heifetz por ter sido "dispensado" de sua casa na hora do almoço. Mas a briguinha doméstica não impediu que, mais tarde, o mesmo Rubinstein aceitasse participar, com Heifetz e o violoncelista Gregor Piatgorsky, do trio que ficou conhecido como "Trio de Um Milhão de Dólares", devido a popularidade e cachê de seus integrantes. O violinista francês Pierre Amoyal, aluno de Heifetz durante seis anos, afirma que "ele foi a pessoa mais generosa e sensível que conheci". O humor foi a única defesa do músico contra as maledicências. Durante uma sessão de gravação, o produtor pediu-lhe que repetisse o trecho de uma peça onde havia uma nota desafinada. Recusando-se a fazê-lo, por razões musicais, Heifetz ironizou: "Com essa desafinação, meus colegas se sentirão mais aliviados!".
Seu primeiro disco foi produzido em 1911 e o último em 1972, quando parou de tocar devido a dores no ombro direito. Foram dele as premieres de concertos como o de Sibelius, Prokofiev No. 2, Walton e Korngold. Sabe-se que, por volta de 1912, gravou discos caseiros, dos quais não se sabe o paradeiro.
Desde a invenção do gramofone, 95 violinistas já gravaram as "Quatro Estações", de Vivaldi. A peça tornou-se assim campeã absoluta na lista de obras mais gravadas para violino e orquestra, cabendo a medalha de prata ao Concerto de Tchaikowsky, com 72 interpretações diferentes. Em terceiro e quarto lugares, aparecem os Concertos de Beethoven e Mendelssohn, com 69 e 64 versões, respectivamente. Na execução desses dois últimos concertos, presentes no Cd, Heifetz reafirma sua individualidade através da pulsação rítmica e um vibrato rápido, fazendo com que seu instrumento, um "Guarnieri del Gesù" de 1742, soe de maneira inconfundível. A gravação foi remasterizada e o som, pouco reverberante, cria a sensação de que o violinista está tocando na nossa sala de estar.
Heifetz estabeleceu novos parâmetros de qualidade para o violinistas. "O senhor arruinou a vida de muitos jovens que tentam imitá-lo e não conseguem", ousou dizer-lhe o violinista israelense Itzhak Perlman, considerado o melhor da atualidade. Quinze entre os vinte melhores violinistas da história têm ascendência judaica. Será porque o violino é o instrumento que melhor traduz o sofrimento de um povo perseguido? Ou isso é pura coincidência?
Até hoje, fórmulas mágicas não foram descobertas para superar a genialidade de Heifetz. O maior cientista do século, Albert Einstein (1879-1955), também era judeu e tocava violino. Mal.