Artigo
- Os 250 anos da morte do compositor Johann Sebastian Bach são evocados numa bela homenagem em forma de chorinho
, 2000-07-29
O grupo Camerata Brasil interpreta Bach |
Com exceção dos três tenores, a vida de músico sempre foi difícil. Johann Sebastian Bach (1685-1750) formou-se aos 18 anos na mesma escola freqüentada por Martinho Lutero, teólogo responsável pela reforma protestante. Lá aprendeu grego, latim e teologia, além de composição, cravo e órgão. Viveu como um funcionário público, pulando de emprego em emprego, e sempre à mercê do patrão, a aristocracia alemã. Aos 32 anos, atingiu a posição máxima que um músico podia galgar naquele tempo, a de Kapellmeister (mestre de capela), o principal responsável pela atividade musical da corte. Mas para aceitar o novo posto, na pequena cidade de Anhalt-Köthen, teve de pedir demissão do emprego que tinha em Weimar. Seu antigo patrão, o duque de Weimar, não só recusou o pedido como mandou prendê-lo.
O pobre compositor viu o sol nascer quadrado durante um mês. Finalmente, o duque conformou-se em perder o funcionário, liberando-o do cargo e da prisão. Bach trabalhava duro. Por cinco anos teve de compor uma cantata por semana, apresentada nas missas de domingo, que duravam das 7 horas ao meio-dia. Como se não bastasse, era ainda coordenador de música em quatro igrejas, um hospital e uma prisão. Escreveu mais de 1.000 obras, casou-se duas vezes e teve 20 filhos. Suas composições mais importantes – como as “Variações Goldberg??? e a “Missa em Si Menor??? – foram produzidas no fim da vida. Em conseqüência de duas cirurgias de catarata, feitas pelo mesmo médico charlatão que operou o colega Haendel, Bach viveu seus últimos dias em um quarto escuro.
Em 28 de julho de 1750, teve uma boa surpresa ao acordar. A luz do dia não o incomodava tanto e ele parecia enxergar com mais nitidez. Às 8h45 da noite, sofreu um derrame e morreu. Sua segunda mulher, Anna Magdalena, acabou na miséria e foi enterrada, dez anos depois, como indigente.
Se Bach estivesse vivo e pudesse receber os direitos autorais pela execução de sua obra, certamente seria tão rico quanto Bill Gates. A economia de Bach nas indicações sobre como sua música deveria ser tocada desperta controvérsia até hoje. São diversas as correntes especialistas no período barroco. A “xiita???, por exemplo, é aquela representada por chatos que não admitem a música “antiga??? tocada em instrumentos que não sejam os do período. Já a “liberal??? defende a idéia de que essa música tinha como função primordial divertir o ouvinte. O genial pianista canadense Glenn Gould dizia que o pedal não pode ser utilizado na interpretação de Bach. “A ressonância do instrumento é um dos maiores obstáculos para atingir a clareza desejada???, avaliza Jean-Louis Steuerman, pianista brasileiro que mais entende de Bach. Já o austríaco Alfred Brendel não se envergonha de usar o pedal. O regente Nikolaus Harnoncourt, autor do livro Barroque Music Today: Music as Speech (Música Barroca Hoje: Música como Discurso), ensina que cada nota deve ser articulada como se fosse a sílaba de uma palavra, transformando a música numa espécie de “ópera instrumental???.
Visão oposta tem o pianista húngaro Andras Schiff, que prefere impor um caráter mais romântico à partitura. A orquestra barroca tinha, no máximo, 20 elementos. A de hoje chega a ter 50. Da mesma maneira que Bach resumiu, em sua obra, tudo o que foi criado antes dele, também antecipou o que estaria por vir. Afinal, quem está certo? “Todos, inclusive o grupo Camerata Brasil???, responderia Bach. “Um disco fulgurante??? foi a expressão usada pela revista inglesa Classic CD para sintetizar o CD Bach no Brasil e incluí-lo na lista dos melhores lançamentos do mês. De fato, os músicos da Camerata Brasil conseguem, de maneira original, fazer a música do mestre alemão reluzir em verde-amarelo, usando o choro como elemento catalisador dessa combinação.
E assim Bach se transforma no compositor mais genial que nosso país já teve. No “Concerto Italiano???, é impossível não sorrir com a entrada do pandeiro. É formidável a integração entre o cavaquinho de Henrique Cazes, diretor musical do CD, e os outros instrumentos do grupo. Um show de musicalidade, precisão rítmica e profissionalismo. As únicas dissonâncias são a utilização de um piano elétrico e a improvisação, com sotaque americano, na última faixa do disco. Esse CD prova, mais uma vez, que excessiva reverência não diverte ninguém. Ao contrário do que pensa a maioria, divertir era exatamente o que o velho Juca Bastião desejava.