- Ao usar cl�ssicos em suas trilhas, o cinema ajuda a divulgar grandes compositores
Veja, 1998-05-24
A gravadora Naxos est� lan�ando no Brasil o CD Opera at the Movies, que inclui uma sele��o de trechos oper�sticos usados como m�sica incidental em filmes. A qualidade das performances � mediana. Inadmiss�vel � a omiss�o do nome dos int�rpretes no encarte do CD. No filme Filad�lfia, que deu o primeiro Oscar a Tom Hanks, a �ria "La Mamma Morta", da �pera Andrea Ch�nier, � cantada por Maria Callas. E no disco? Uma boa surpresa � o tenor "an�nimo" que interpreta magistralmente a famosa "Vesti la Giubba", da �pera I Pagliacci, usada na trilha de Os Intoc�veis. O lan�amento � uma tentativa exclusivamente comercial de explorar a falta de conhecimento do grande p�blico. A Naxos tenta o sucesso f�cil apoiando-se na esperan�a de que quem gostou dos filmes comprar� o CD. E � custa de quem despreza: os artistas e os consumidores.
A import�ncia da m�sica no cinema foi primeiro percebida pelos russos. Nos anos 30, o diretor Pudovkin j� defendia a tese do "contraponto" entre som e imagem. O filme Alexander Nevsky, de 1938, resultou da parceria entre o cineasta Sergei Eisenstein e o compositor Sergei Prokofiev. As observa��es de Prokofiev sobre a liga��o potencial entre os ritmos cinematogr�fico e musical influenciaram fortemente outros m�sicos, como o ingl�s sir William Walton, autor da m�sica para Hamlet (1948), de Laurence Olivier. Um novo mercado de trabalho foi ent�o criado para os compositores. Grandes nomes do cen�rio cl�ssico internacional deste s�culo, como Dmitri Shostakovich, Aaron Copland e Benjamin Britten, colaboraram no processo criativo e de desenvolvimento do cinema. No entanto, a partir do final dos anos 60, as composi��es originais cederam lugar a obras do repert�rio tradicional. O uso de pe�as musicais de dom�nio p�blico, sem o �nus dos direitos autorais, fez com que a ind�stria cinematogr�fica arquivasse definitivamente os anseios dos compositores de nosso tempo.
Existe m�sica pura? O cinema diz que n�o. A m�sica tem um significado pr�prio e �nico? N�o e n�o. Ent�o um mesmo trecho musical pode descrever a natureza, o tr�fego de Nova York e uma cena de amor? Pode, acreditam os cineastas. Em Morte em Veneza, o diretor italiano Luchino Visconti usou o mesmo trecho da Sinfonia N� 5 de Mahler em cenas com atmosferas distintas. Para os puristas, isso estabelece uma rela��o mentirosa entre imagem e m�sica. O compositor Vaughan Williams (n�o confundir com o tamb�m compositor John Williams), puxando a sardinha para seu lado, afirmava que qualquer trilha sonora deveria ser original e sempre preparada em conjunto com o diretor do filme. A m�sica teria assim uma fun��o mais construtiva e menos decorativa.
Schubert e Viagra � A partir dos anos 70, poucos compositores obtiveram destaque no raqu�tico mercado cinematogr�fico. Por outro lado, a contribui��o do cinema � difus�o da m�sica cl�ssica � indiscut�vel. O Concerto N� 3 para Piano e Orquestra, de Rachmaninoff, tornou-se um campe�o de vendas gra�as ao filme Shine � Brilhante. Se Mozart recebesse em vida 1% dos direitos autorais a ele devidos pelo uso de sua m�sica em Amadeus, talvez n�o tivesse morrido aos 35 anos. O austr�aco Franz Schubert, um dos favoritos dos cineastas, deve ter-se revirado no t�mulo ao saber que um dos seus Momentos Musicais produzia em G�rard Depardieu, na com�dia Linda Demais para Voc�, o mesmo efeito de um comprimido de Viagra.
A m�sica do s�culo XX sempre encontrou dificuldade em arregimentar admiradores. As sociedades de concertos, com raras exce��es, mostram-se t�midas na programa��o de obras contempor�neas. N�o h� melodia, reclama o grande p�blico. Em 29 de maio de 1913, no Th��tre des Champs-Elys�es, os parisienses atiravam tomates ao palco. Era a tumultuada estr�ia de A Sagra��o da Primavera, do russo Igor Stravinsky, uma composi��o escrita especialmente para o lend�rio bailarino e core�grafo Vaslav Nijinsky. As disson�ncias barb�ricas da Sagra��o voltariam novamente � cena em 1940, dessa vez incorporadas ao desenho animado Fantasia, de Walt Disney. O filme fez um sucesso estrondoso e tornou-se um cl�ssico. Stravinsky foi enfim reconhecido mundialmente. Gra�as �s crian�as. Ou ao Mickey Mouse. Talvez a li��o dada pelo camundongo possa indicar uma dire��o para a nova m�sica do s�culo XXI.